Veneza, Itália.
Andando pela exposição do museu Ca' Rezzonico os visitantes
contemplam um grande quadro pintado a óleo sobre tela: Zéfiro, o vento do
oeste, voa majestosamente através das nuvens com suas asas de libélula, em
união com Flora, a deusa romana da floração (Figura 1). A tela foi pintada por Giovanni
Battista Tiepolo no século XVIII. Mas o que o público leigo não percebe é que
ali existe um mistério entomológico.
Figura 1. Triunfo de Zéfiro e Flora. |
Há um grupo de
insetos chamado Neuroptera; o nome é uma alusão a suas asas (pteron)
com muitas veias entrelaçada como uma rede (neuron). Um dos insetos mais
fascinantes e raros deste grupo pertence ao gênero Pseudimares Kimmins, encontrados somente no Irã e Marrocos. Estes
insetos são únicos! poucos indivíduos foram coletados em toda a história que a
literatura científica compreende. Suas asas ovaladas lembram as de uma libélula
em forma, mas as máculas ocelares nas extremidades são a beleza exclusiva
deste grupo (Figura 2).
A relação entre
a obra de Tiepolo e Pseudimares reside nas asas de Zéfiro. Na pintura, a
inspiração para as asas é tradicionalmente atribuída às libélulas,
contudo, não há uma única espécie destes insetos que possuam tais manchas em
suas asas. Pseudimares, contudo, exibe olhos em suas quatro asas ovaladas.
Teria
Tiepolo imaginado tais asas? Ou seria possível que ele tenha tido a
oportunidade de observar estes raros insetos pessoalmente, 200 anos antes de terem sido descritos, e então as representado em Zéfiro?
Figura 2. Detalhe das asas de Zéfiro e de Pseudimares aphrodite H. Aspöck & U. Aspöck. |
Não há resposta
conclusiva; ambas as hipóteses são igualmente possíveis. O talento de
Tiepolo sem dúvida poderia projetar tais estruturas, mas também o
pintor viveu boa parte de sua vida na República de Veneza, que desfrutava de um
intenso comércio internacional através do mar mediterrâneo, especialmente se
tratando de itens de história natural como insetos e flores, em um
período onde estes itens começavam a atrair a atenção de colecionadores, nos
gabinetes de curiosidades que posteriormente tornaram-se os nossos
museus de história natural.
Nicoli & Panteloni (2012), de onde baseio este texto, concluem perfeitamente a
respeito deste mistério: a semelhança incrível entre o animal e a arte em “uma
coincidência quase perfeita entre as imagens de um grande pintor e o mundo
verdadeiro”, e o possível encontro do artista com o inseto é notável “devido ao traço
surpreendente que um ser vivo incomum e maravilhoso poderia ter deixado para
trás”.
Referências
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